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O Centro de Altos Estudos de Segurança - CAES

Professor Doutor Coronel da Reserva PM David Gaspar Ribeiro de Faria  (*)

Um dos fenômenos que, com certeza, mais tem caracterizado a nossa época é a mudança. Nada, hoje, é igual ao como foi ontem ou como será amanhã. Até Heráclito, o filósofo grego, que dissera que a única coisa imutável no Universo é a mudança, ficaria surpreso se assistisse à maneira avassaladora e surpreendente com que tal fenômeno se apresenta na atual época em que vivemos.  Em tudo a mudança se faz presente, ou seja, na ciência, na tecnologia, nos costumes, enfim, até mesmo na vida quotidiana, quer na de cada pessoa, em particular, quer na das instituições e na das organizações, em geral. Segundo George Land e Beth Jarman , a mudança ora em curso não é somente mais rápida, mais complexa, mais turbulenta, mais imprevisível; a mudança em curso é diferente de todas as outras; exemplo maior disso é a própria globalização, que vem fazendo do mundo uma aldeia menor ainda do que aquela a princípio imaginada por Marshall McLuhan . Abrangendo todas as áreas, a mudança vem se fazendo presente, inclusive, na área de Segurança Pública.

Atualmente, a maneira como a violência se expressa ou como as catástrofes acontecem, é diferente das de outras épocas, mercê da própria influência da tecnologia, marca registrada de nossos tempos. Da sofisticação do armamento às formas de transporte coletivo, de construção, de habitação e de concentração de pessoas, tudo gira em torno das massas, ou seja, massa de usuários de sistemas de transporte, massa de espectadores, massa de moradores, massa de trabalhadores, massa de estudantes, massa de motoristas, massa de desabrigados, massa de vítimas, massa de manifestantes, massa de infratores etc; conseqüentemente, massa de informações, produção em massa, massa de lixo, massa de veículos etc. Assim, a mudança e seus desdobramentos atingem, sempre, um número muito grande de pessoas, o que demanda atenções e cuidados especiais, uma vez que, nas questões sociais, os desdobramentos são muito rápidos e com conseqüências difíceis e trabalhosas de serem controladas. Afinal de contas, o fenômeno de massa atinge até mesmo as categorias de policiais e de bombeiros, eis que os efetivos atualmente são muito grandes.

Hoje, portanto, a atuação no campo da Segurança Pública, envolvendo atividades de policiamento e de bombeiros em todas as suas respectivas modalidades, incluindo-se os mais variados tipos de apoio, quer operacional quer administrativo, demanda mais do que o mero conhecimento de técnicas; demanda, assim, uma postura que demande habilidades no sentido de que o dirigente, seja ele o comandante, o administrador, o chefe ou diretor, tenha a flexibilidade necessária para saber o que, quando e em que mudar, bem como em que medida deva fazê-lo e como comandar os seus subordinados neste intrincado processo de mudança. Isso tudo porque, mercê do acima exposto, uma organização-instituição grande e complexa como é a Policia Militar do Estado de São Paulo (mais de 95.000 componentes policiais militares mais os agregados etc), tem a necessidade contínua e constante de reestruturar seus quadros, de maneira que, sem alterar os padrões sesquicentenários que a caracterizam, calcados na hierarquia e na disciplina, na lealdade e na constância, bem como no respeito à ética, às normas legais e aos superiores, possa se adequar às necessidades ditadas pelas exigências sociais modernas, de maneira eficiente, eficaz e efetiva, em outras palavras, justa e perfeita. O usuário do sistema de segurança pública, o cidadão-contribuinte, deve ser atendido à altura, quer quando careça dos serviços de policiamento, quer quanto aos serviços de bombeiros, em face de necessidades que surgem de maneira inopinada, grave e urgente, requerendo ações prontas de comando, de decisão e de planejamento, em função do fato emergente. Pode-se dizer, até mesmo, que se vive numa época que, além de ser de mudanças, é também uma época de novidades, de grandes catástrofes, de guerras, de tráfico e de uso de drogas, de doenças inéditas e gravíssimas, de crises, de conflitos, de violência de todo tipo, de conflitos e de tensões generalizados e específicos; de stress, portanto.
O próprio crime, antes apenas pessoal, informal e artesanal, tornou-se organizado, institucionalizado, multinacionalizado, alterando valores e até mesmo a própria cultura. A própria mídia chega a veicular formas de comportamento que muitas vezes mais confunde o espectador do que o esclarece, em razão de como as notícias, as formas de entretenimento e as propagandas são apresentadas e consumidas. Em suma, vivemos numa época de stress, de violência, de riscos, de ansiedade e de mudanças culturais.             
Por tudo isso, uma instituição que tem por vocação assistir a população em seus momentos mais dramáticos, tem que estar familiarizada com as suas peculiariedades. À comunidade a quem presta seus serviços, deve ela, instituição de segurança pública, estar constantemente sintonizada, mesmo porque são ambas partes integrantes de um mesmo organismo; tal instituição de segurança é o sub-sistema do sistema comunidade a quem compete as atribuições de cuidar da proteção e dos cuidados de seus componentes. E, como conseqüência das mudanças constantes, sejam elas de origem globalizada, nacional, regional ou local, deve haver constante adequação de natureza técnico-profissional para se fazer frente às vicissitudes que repetidamente surgem, de modo que a incolumidade da sociedade, como um todo, e de cada um de seus componentes, em particular, esteja completamente garantida. Cumpre detectar quais são as necessidades de reestruturação, quer sejam do ponto-de-vista cultural, institucional, organizacional, administrativa, operacional ou comportamental, no Sistema de Segurança Pública, com enfoque que dê destaque a cada variação do papel do profissional de segurança; assim, que cada um de seus representantes seja um protagonista que saiba, devidamente, o que deva fazer, da maneira que seja mais criativa, adequada, eficaz, efetiva e conveniente, bem como com as parcerias que a situação de fato requeira.
Para o preparo daqueles que se revezam, assumindo o leme na gloriosa Instituição, tomando as decisões a nível operacional, e principalmente, a nível tático e estratégico, conta esta, a Policia Militar do Estado de São Paulo, com o CAES - Centro de Altos Estudos de Segurança, entidade que abriga o CAO e o CSP, respectivamente, o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais e o Curso Superior de Polícia. O objetivo formal do CAO é o de proporcionar ao capitão, nos termos da lei, condições para a sua promoção aos postos de oficial superior, ou seja, major e tenente coronel; e, o CSP, é o de proporcionar ao oficial superior condições para ser promovido ao maior posto, o de coronel. Para isso, pois, são desenvolvidos estudos doutrinários, são feitas pesquisas, visitas e realizadas experiências, de modo que, como decorrência do binômio ensino-aprendizagem, os oficiais-alunos dos referidos cursos habilitem-se a exercer cargos, encargos e funções de comando, de chefia e de assessoramento.
Busca-se, portanto, aperfeiçoar e aprimorar os seus conhecimentos técnico-profissionais para o exercício de um papel multifacetado, haja vista as inúmeras e complexas atividades, dispostas num amplo leque, que existem na área de segurança pública, dentre as quais as que competem à Policia Militar. Ambos os cursos, a partir de 2009, de acordo com a Lei nº 1036, de ........................, passaram a ter a certificação de cursos de pós-graduação em nível de mestrado (CAO) e doutorado (CSP), o que, ato contínuo, levou a direção de ambos a envidar todos os esforços no sentido de adequá-los a essa nova realidade, e, cita-se como exemplo, a assinatura de protocolo de parceria entre o CAES e a Universidade Estadual Paulista (UNESP) em em data de 05 de abril de 2009, bem como os contactos efetuados com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Se por um lado tal credenciamento garante legitimidade ao nível dos cursos, importante é que o CAES o faça por merecer, na medida em que os seus diplomados passem a adotar cada vez mais uma conduta à altura do que a sociedade paulista e os cidadãos em trânsito pelo Estado de São Paulo realmente mereçam. Como notícia, apenas, vale dizer que o CAES vem se dedicando ao desenvolvimento de linhas de pesquisa em Segurança Pública e em Defesa Civil, assim como em métodos e técnicas de ensino e pesquisa dentro do que se exige atualmente, tanto para as situações presenciais como à distancia. Em suma, o CAES estará, agora, em condições de outorgar graus, em seus cursos profissionalizantes (CAO e CSP), de mestre e de doutor, respectivamente, aos seus diplomados, titulando-os como Mestres e Doutores em Ciencias Policiais, de Segurança e de Ordem Pública.                         
Pode-se dizer que tanto o CAO como o CSP têm luz própria, pois, se por  um lado buscam se aprimorar acompanhando as conquistas das diversas áreas tecnológicas e científicas, com a devida orientação de seu corpo docente, por outro, contam, também, com um não menos brilhante corpo discente; isso porque o oficial-aluno, de qualquer um dos cursos, é um profissional vivido, com uma vasta experiência profissional e pessoal, mercê das circunstâncias que a profissão policial-militar lhe impôs. Ou seja, pode-se dizer que cada um participou de ocorrências e de operações, onde, em meio a dificuldades, incertezas, angústias, sofrimentos, intempéries e exemplos de solidariedade, lealdade e amor ao próximo, soube se autodeterminar e a conduzir os seus subordinados, cumprindo, até mesmo com riscos físicos, o juramento que fez, num dia especial e inesquecível de sua vida: "...dedicar-se à Pátria, cuja honra, integridade e instituições, defenderei com o sacrifício da própria vida". Assim, em razão da experiência obtida nas ocorrências e nas operações em que tenha participado, quer nas de risco quer nas de rotina, nas ruas e nas estradas, nas áreas urbanas e nas rurais, nos rios, no mar, até mesmo nas alturas, na unidade ou na comunidade, nos estádios, nos presídios ou nos incêndios, nos resgates e nos salvamentos, na instrução ou na administração, durante o dia ou à noite, isoladamente ou em comando de tropa, homem ou mulher, qualquer que seja o quadro, o oficial-aluno é mais, muito mais do que um simples aluno que retorna aos bancos escolares. Se retorna, agora, é para alargar e otimizar essa supracitada experiência, o que se traduz nos seguintes objetivos:
-   aquisição de novos conhecimentos, no que logra alcançar total êxito, em virtude de um corpo docente a quem a própria cultura da Instituição optou por delegar tão nobre missão;
-   realinhamento de idéias, haja vista que, cada oficial-aluno, no desenrolar de sua vida profissional, passou a ter um enfoque todo e exclusivamente seu, devido à respectiva peculiariedade de cada uma de suas experiências e vivências, que, na somatória, garantem-lhe um perfil único, e que, em contacto com os demais oficiais-alunos, terá oportunidades de adotar um linha de raciocínio mais sistêmica, por sua interação com estes;
produção de conhecimento, o que ocorre com o trabalho monográfico que desenvolve, sustenta, defende e apresenta, sempre nos termos do rigor da Metodologia Científica, acerca de um tema profissional que o mesmo domina, síntese que é de seus próprios conhecimentos adquiridos durante o transcorrer de sua vida profissional e que, agora, vê-se diante da possibilidade de devolvê-lo à Instituição Policial Militar e à Comunidade de forma sistematizada, e, de ser honrosamente reconhecido pela autoria de tal trabalho;
-   participação na discussão de problemas da Instituição e da Comunidade, o que o põe em linha direta com as questões que, de uma forma ou de outra, está envolvido, faz parte e que, com certeza, num futuro próximo, continuará a tomar decisões acerca das mesmas, todavia, num nível, então, bem mais elevado e abrangente e numa esfera de responsabilidades ainda maior;
fortalecimento de vínculos, com o reencontro de antigos companheiros de profissão e com o conhecimento e contacto com novos companheiros, quer do mesmo quer de outros quadros, até mesmo de outros estados da Federação ou de outros países, fator este que é de grande importância numa área onde a interação pessoal e as vivências, obtidas através da Dinâmica de Grupo, constituem-se em fatores de desembargo e de desagravo, principalmente naquelas situações operacionais que exigem entrosamento, espírito de corpo, lealdade e confiança mútua;
-    ética profissional, como fator indispensável num papel que, de maneira geral, atua num forma de atuação interativa com os públicos interno e externo;
-     hierarquia e disciplina, no que diz respeito ao fortalecimento dos valores culturais básicos da Instituição, em harmonia com a legalidade e o estado de direito; 
-   chefia e liderança, instrumento indispensável àquele que tem como missão comandar poucos e muitos, partindo-se, sempre, da premissa que liderar é saber motivar subordinados;
-   busca de auto-controle mental e emocional, de modos que as tensões do quotidiano, que atingem o cidadão, em geral, e o policial militar, em especial, não reduzam o seu potencial, tanto na decisão quanto na ação, em razão dos stressores característicos das vida moderna;
reflexões pessoais, acerca da maneira como vem se conduzindo na carreira profissional, e, em função disso, através do auto-conhecimento e na busca de um processo de reforma íntima, que medidas carece tomar para que, com as suas próprias qualidades psicológicas mais fortemente desenvolvidas, auxiliar as suas qualidades pessoais menos desenvolvidas, fenômeno este percebido apenas de per si, decorrência natural de sua capacidade de auto-crítica;
-     novos métodos e técnicas, adotando uma postura voltada à pesquisa e como forma de acompanhar a renovação científica e tecnológica constante de conhecimentos e de procedimentos que atinge todas as áreas, em particular a da informática, a da administração, a do direito e a do relacionamento humano;
-   visão sistêmica, o que implica num novo referencial conceitual que permita, ao mesmo tempo, a análise e a síntese da organização em um ambiente complexo e dinâmico, de modo que as partes da organização sejam vistas, sempre, como subsistemas inter-relacionados e interagindo dentro de um supra-sistema, atuando e interagindo no tempo e no espaço ;
-     aceitação de novos paradigmas, conseqüência inevitável dos novos tempos e em conformidade com época que se vive, sem, todavia, perder-se de vista os valores morais e a filosofia que rege os direitos humanos, as questões advindas da espiritualidade, os valores cristãos e a política de valorização da dignidade humana;
-   visão de futuro, sabendo situar-se, sempre, na linha do tempo, de modo que, procure conhecer as causas geradas no passado para poder conhecer e entender o presente, e, partindo deste, possa criar projeções futuras, como pressuposto básico para criar as condições que sejam realmente esperadas e de fato desejáveis;
-   postura científica diante da atual realidade planetária, quer quanto a sistemas e meios materiais, mas, principalmente, quanto às interações e relações humanas, organizacionais, societais e mundiais, haja visto à complexidade com que a sociedade em rede vem alterando os vínculos e a cultura de maneira imprevisível;
-     postura de defensor dos Direitos Humanos, o que obtém em contacto direto com as forças vivas da comunidade bem como com os seus legítimos membros, principalmente aqueles mais carentes e desafortunados;
-     postura capaz de diferenciar realidades e de agir segundo esse entendimento, ou seja: ser dedicado, cortês e acessível junto ao cidadão, imparcial e justo diante do infrator e  implacável e destemido perante o criminoso;
-   desenvolvimento de um novo papel, de oficial superior, para o capitão, e de coronel, para o major ou tenente coronel, na conformidade de fazer frente, sempre, às novas decisões e aos novos desafios, que cada vez maiores surgem, continuadamente, pela frente, mercê, mesmo, do próprio fenômeno da mudança; da mesma forma, os títulos de mestre e de doutor constituem-se em novo desafio, pois isso pressupõe a saída definitiva da caserna para uma interação com a comunidade de maneira até então inédita;
-    transformação do conhecimento em hábito, o que significa que a passagem por cada um dos cursos não significa somente mera aquisição de informações apenas de ordem intelectual, mas, sim, a motivação pessoal, sincera, entusiástica e espontânea, bem como as maneiras adequadas no sentido de aplicá-la, dentro, sempre, do princípio da simplicidade.
Resumindo, são conhecimentos ministrados e experiências adquiridas que buscam criar uma postura renovada no oficial superior, de modo que, através da assi- milação dos novos conceitos, métodos e técnicas, possa visualizar de forma científica a organização policial militar e a comunidade, bem como a si mesmo, como partes indissociadas de um mesmo sistema, único, total e dinâmico, passível de ser alterado e otimizado mediante intervenções construtivas, necessárias, adequadas, oportunas e desejáveis, bem como os procedimentos e as técnicas que tornem isso tudo viável e possível. Assim, portanto, a Instituição policial militar, através do CAES, atendendo a um desejo da Comunidade, prepara os seus comandantes, aqueles que assumirão os seus mais altos cargos, encargos e funções, que, resumidamente, consistem de um só papel-chave, que é o de comandar heróis anônimos, de comandar àqueles que estão em contacto direto com a comunidade, procurando descobrir os anseios desta, bem como, a maneira que seja mais eficiente, mais eficaz, mais efetiva, mais prática, em suma, que seja melhor mesmo, no sentido de realmente atendê-los.

(*)     O Professor Doutor Coronel da Reserva PM David Gaspar Ribeiro de Faria é formado pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), é diplomado pelo CAES (CAO e CSP), é psicólogo (UnG), psicodramatista (SOVAP), é mestre e doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e pertence ao Corpo Docente do  CAES, onde é Chefe do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas e Direitos Humanos do CAO, no qual é professor de Organizações e Instituições e Papéis Sociais, bem como é também Chefe de Departamento de Teoria Avançada em Polícia Ostensiva do CSP, e também professor de Organização Social e Liderança, neste.

 

 

                 Land, G. e Jarman, B. - Ponto de Ruptura e Transformação. São Paulo: Cultrix ., 1990.

            3      McLuhan, M. - Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix., 1968.